A Justiça determinou que a Unimed, operadora de plano de saúde, deve custear o tratamento com Endobulin Kiovig® (Imunoglobulina g) para uma paciente diagnosticada com dermatopolimiosite e polimiosite. A decisão foi proferida pela 11ª Vara Cível de Campinas, sob a relatoria da juíza Ana Lia Beall, e evidencia a abusividade na recusa de cobertura para um medicamento essencial ao tratamento de doenças graves.
No caso em questão, a Unimed negou a cobertura sob a justificativa de que o medicamento estaria fora do rol da ANS e configuraria um uso off-label. Contudo, decisões recentes têm reiterado que as operadoras de saúde não podem restringir o tratamento prescrito por médicos apenas com base no rol da ANS.
O contexto do caso: a negativa de Endobulin Kiovig® pela Unimed
A beneficiária da Unimed, diagnosticada com dermatopolimiosite — uma doença inflamatória que afeta músculos e pele — havia recebido prescrição médica clara para o uso de Endobulin Kiovig® e Metotrexato. Segundo o médico responsável, a falta do tratamento adequado poderia causar fraqueza muscular progressiva, necrose de fibras musculares e uma redução drástica na qualidade de vida da paciente.
Apesar do laudo médico fundamentado, a Unimed se recusou a autorizar a cobertura, alegando que o medicamento não estava previsto no rol de procedimentos da ANS. A operadora também alegou a existência de alternativas menos onerosas e eficazes. No entanto, essas alegações não foram suficientes para afastar a necessidade urgente do tratamento, conforme estabelecido por meio de relatórios médicos e exames apresentados nos autos.
Em casos semelhantes, decisões judiciais vêm reconhecendo que a recusa de cobertura baseada exclusivamente no rol da ANS é abusiva. Como aponta o Código de Defesa do Consumidor, cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em situação de desvantagem são nulas de pleno direito.
Jurisprudência e fundamentação legal
A juíza responsável pela decisão destacou que a negativa de cobertura fere os direitos básicos à saúde e à dignidade da paciente. De acordo com a Súmula 102 do TJSP, “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura sob o argumento de que a medicação não consta no rol da ANS ou possui uso experimental”.
Além disso, a recente Lei nº 14.454/2022, que alterou a legislação dos planos de saúde, determina que o rol da ANS é apenas referencial e não limitativo. Ou seja, medicamentos não previstos no rol devem ser cobertos, desde que:
- Haja comprovação científica de eficácia,
- O tratamento seja recomendado por órgãos de saúde nacionais ou internacionais, como a ANVISA ou a Conitec.
Esse entendimento protege o direito do paciente de acessar tratamentos modernos e essenciais, mesmo que não estejam expressamente listados. Afinal, a ciência médica evolui constantemente, e o rol da ANS não pode acompanhar essas mudanças em tempo real.
Decisão favorável ao paciente
Ao analisar o caso, a Justiça de Campinas determinou que a Unimed deve custear integralmente o tratamento prescrito, considerando que:
- A necessidade do medicamento foi devidamente comprovada;
- A ausência do tratamento colocaria em risco a saúde e a qualidade de vida da paciente;
- A justificativa da operadora não foi suficiente para afastar a cobertura obrigatória.
Assim, a decisão condenou a Unimed a:
- Fornecer 18 frascos mensais de Endobulin Kiovig®, conforme prescrição médica;
- Custear Metotrexato semanalmente;
- Pagar multa diária de R$ 500,00 em caso de descumprimento, limitada a R$ 500 mil.
Esse posicionamento reforça a importância de um advogado especializado em planos de saúde para assegurar o cumprimento dos direitos dos beneficiários. Muitas vezes, operadoras negam tratamentos essenciais com base em justificativas frágeis, o que obriga pacientes a recorrerem ao Poder Judiciário.
Por que o rol da ANS não limita os tratamentos?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atualiza periodicamente o rol de procedimentos e medicamentos que devem ser cobertos pelos planos de saúde. Contudo, como já mencionado, esse rol é apenas uma referência básica. Isso significa que, havendo recomendação médica fundamentada e comprovada eficácia científica, a operadora não pode se negar a fornecer o tratamento.
Além disso, a própria jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhece que o rol da ANS não pode ser utilizado como única justificativa para negar cobertura. Em casos de doenças graves, como as doenças autoimunes tratadas com Endobulin Kiovig®, a prescrição médica prevalece sobre as diretrizes administrativas.
A importância de buscar apoio jurídico
Casos como o relatado demonstram a importância de conhecer seus direitos e buscar o suporte de profissionais qualificados. Pacientes que enfrentam negativas abusivas devem:
- Documentar todas as recusas apresentadas pela operadora;
- Solicitar relatórios médicos detalhados e atualizados;
- Entender como funcionam as liminares judiciais em casos de urgência.
O conhecimento dos direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Planos de Saúde é crucial para garantir o acesso a medicamentos essenciais. Em casos de tratamentos não incluídos no rol da ANS, como o uso de medicamentos para doenças autoimunes, a Justiça tem se posicionado de forma favorável aos pacientes.
Conclusão
A decisão da 11ª Vara Cível de Campinas no processo nº 1036805-78.2023.8.26.0114 representa uma vitória significativa para o direito à saúde. Ao condenar a Unimed a custear o tratamento com Endobulin Kiovig®, a Justiça reforçou que o rol da ANS não pode limitar o acesso dos pacientes a terapias eficazes e necessárias.
Com base em laudos médicos, legislações atuais e jurisprudências consolidadas, os consumidores têm respaldo jurídico contra negativas abusivas. Para entender mais sobre seus direitos e o impacto dessas decisões, vale consultar temas como tratamento não previsto no rol da ANS ou os direitos de pacientes com doenças crônicas e graves.
Data da decisão: 27/03/2024
Juíza: Ana Lia Beall
Possibilidade de recurso: Sim.
Com essa decisão, espera-se que operadoras como a Unimed passem a cumprir com maior rigor as prescrições médicas, priorizando o direito à saúde e à dignidade dos pacientes.