Recentemente, um tribunal paulista proferiu uma decisão marcante envolvendo a negativa de cobertura de uma prótese externa por parte da CASSI, plano de saúde destinado aos funcionários do Banco do Brasil. O caso traz à tona questões de extrema relevância sobre o comportamento dos planos de saúde e a necessidade de buscar os direitos por meio da Justiça quando tratamentos essenciais são negados.
A paciente em questão, beneficiária do plano de saúde CASSI, enfrentava complicações graves desde 2013, quando foi diagnosticada com condrossarcoma, um tipo de câncer ósseo. Após diversas cirurgias, a última e mais drástica medida foi a amputação total do osso da coxa (fêmur). O tratamento incluiu o uso de próteses ortopédicas que passaram a ser essenciais para a sua qualidade de vida.
Em 2022, o quadro da paciente piorou, com novas complicações de saúde que exigiram a substituição da prótese externa já em uso. O médico responsável prescreveu a confecção de uma nova prótese com urgência, recomendação essa feita para evitar o agravamento do quadro clínico, como o surgimento de novas infecções e danos permanentes.
Negativa de cobertura pela CASSI
A beneficiária, como de costume, solicitou a cobertura ao seu plano de saúde, CASSI, que havia acompanhado seus tratamentos desde o início.
No entanto, para sua surpresa, o plano negou o custeio da prótese externa, alegando que o contrato firmado não previa cobertura para dispositivos de substituição de função, como próteses, que não estivessem diretamente relacionados a um procedimento cirúrgico.
A justificativa apresentada pelo plano era baseada em uma interpretação restritiva do contrato e nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo a operadora, a prótese não se enquadrava nos procedimentos obrigatórios cobertos pelo plano e, portanto, estaria excluída da cobertura contratual.
Tentativa de resolução e busca de auxílio jurídico
Após a negativa, a beneficiária tentou resolver a questão diretamente com a CASSI, buscando explicações e alternativas para que a prótese externa fosse coberta. Entretanto, essas tentativas não surtiram efeito. A negativa persistente levou a paciente a recorrer a um advogado especializado em direito à saúde, que iniciou uma análise minuciosa do contrato e das circunstâncias médicas envolvidas.
Percebendo que a recusa do plano de saúde estava em desacordo com o princípio de boa-fé e com o direito à saúde assegurado pela Constituição, o advogado recomendou que a paciente acionasse a Justiça para obter o que lhe era de direito.
Acionamento da Justiça: o início da batalha judicial
Com o auxílio jurídico, a paciente ingressou com uma ação de obrigação de fazer, pedindo que o tribunal obrigasse a CASSI a custear a prótese externa, essencial para a manutenção de sua saúde e qualidade de vida. A argumentação foi pautada na necessidade urgente do equipamento, comprovada por relatórios médicos detalhados, e na violação dos princípios fundamentais do direito à vida.
Na petição inicial, o advogado da paciente destacou que a prótese solicitada não era meramente um aparelho de substituição de função, mas sim uma continuação do tratamento cirúrgico já iniciado com a amputação do fêmur. A negativa da operadora representava uma violação à função social do contrato e aos deveres de lealdade e confiança esperados em uma relação de consumo.
Ao ser citada, a CASSI apresentou uma contestação extensa. Em sua defesa, o plano de saúde reiterou que o fornecimento de próteses externas não estava previsto no contrato e que tal equipamento não constava no rol de procedimentos obrigatórios definidos pela ANS. A operadora também argumentou que o laudo médico não apresentava justificativas científicas suficientes para demonstrar a efetiva necessidade da prótese para a recuperação da paciente.
A operadora ainda alegou que, como uma entidade de autogestão, não estava sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme entendimento da Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que a decisão de não custear a prótese era legítima dentro dos limites contratuais.
A decisão do tribunal: CASSI deve custear a prótese externa
Após analisar os fatos e as provas apresentadas, o tribunal foi categórico ao considerar que a negativa de cobertura por parte da CASSI era ilegal. O juiz responsável pelo caso enfatizou que o fornecimento da prótese externa estava diretamente relacionado ao procedimento cirúrgico de amputação já realizado. Além disso, a prótese era essencial para a continuidade do tratamento e para a prevenção de novos problemas de saúde.
O juiz fundamentou a sentença no princípio da boa-fé objetiva, que impõe às partes contratantes o dever de agir com lealdade e confiança durante a execução de um contrato. Segundo o magistrado, a paciente confiou na cobertura de seu plano de saúde para tratamentos essenciais, como o fornecimento da prótese, e a negativa da operadora feriu essa expectativa legítima.
Ao final, o tribunal condenou a CASSI a arcar com todos os custos da prótese externa, atendendo integralmente ao pedido da paciente. Além disso, a empresa foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais.
Este caso serve como um exemplo claro de que, em muitas situações, a única forma de garantir o tratamento adequado é recorrer à Justiça. A negativa de cobertura por parte dos planos de saúde pode causar sérios prejuízos aos beneficiários, que ficam desamparados justamente nos momentos em que mais precisam de suporte.
Por isso, ao enfrentar uma situação semelhante, em que um tratamento essencial é negado, é fundamental buscar orientação jurídica especializada. Um advogado com experiência em ações contra planos de saúde pode avaliar o contrato, as justificativas da operadora e as circunstâncias médicas para determinar se a negativa é realmente válida ou se o beneficiário tem o direito de exigir a cobertura.
Informações sobre o caso
No dia 31 de julho de 2024, a 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo condenou a CASSI a custear a prótese externa solicitada por sua beneficiária. O processo, de número 1148697-34.2023.8.26.0100, foi julgado pelo juiz Dr. Mario Chiuvite Júnior, e ainda cabe recurso da decisão.