A recente decisão judicial envolvendo o medicamento Avastin® (Bevacizumabe) destaca a importância de defender os direitos do paciente diante de negativas abusivas por operadoras de saúde. No caso em questão, uma criança, diagnosticada com um tipo raro de câncer cerebral chamado Glioma Pontino Intrínseco Difuso (DIPG), foi representada por sua mãe na ação contra a operadora Porto Seguro Saúde. Este processo exemplifica os desafios enfrentados por famílias em busca de tratamentos urgentes, como o Bevacizumabe, necessário para combater a doença rara e agressiva.
Entenda a negativa de cobertura e o impacto para a paciente
A mãe da criança solicitou à Porto Seguro Saúde a cobertura do Avastin® (Bevacizumabe), medicamento recomendado pela oncologista da paciente. Este fármaco, que requer aplicações quinzenais, tem sido amplamente utilizado para inibir o crescimento tumoral, sendo aprovado pela ANVISA e reconhecido pela comunidade médica para casos oncológicos graves.
No entanto, a Porto Seguro Saúde recusou a cobertura, argumentando que o medicamento não consta no rol de procedimentos da ANS e que seria um tratamento de uso “off-label“. Esse termo indica que o medicamento, embora registrado pela ANVISA, não possui todas as indicações específicas para o tipo de tumor da paciente, o que não impede seu uso terapêutico, desde que haja prescrição médica adequada.
Essa postura ignorou o quadro crítico e a necessidade médica da criança, prejudicando diretamente o bem-estar dela e causando à família um considerável desgaste emocional e financeiro.
Tentativas de resolução com a operadora de saúde
Diante da recusa do plano, a família buscou administrativamente resolver a situação junto à Porto Seguro Saúde. No entanto, todos os recursos feitos junto à operadora foram infrutíferos, resultando na continuidade do tratamento por conta própria. Além do desgaste, os gastos com o Bevacizumabe eram insustentáveis para a família, dado o alto custo do medicamento.
Busca por orientação jurídica especializada
Sem alternativa, a mãe da criança procurou um advogado especializado em ações contra planos de saúde. Esse tipo de profissional é crucial para orientar as famílias sobre os direitos do paciente, que incluem o acesso a tratamentos essenciais e a cobertura de tratamentos off-label quando há prescrição médica.
O advogado especialista, ciente da urgência do caso, rapidamente ingressou com uma ação judicial contra a Porto Seguro Saúde, solicitando a concessão de uma liminar para garantir a continuidade do tratamento. Além disso, requereu o reembolso das quantias já desembolsadas pela família, totalizando R$ 6.353,22.
Ação judicial e contestação da Porto Seguro Saúde
Na justiça, a Porto Seguro Saúde defendeu-se afirmando que não teria obrigação de cobrir o medicamento, já que ele não consta no rol da ANS e por ser uma aplicação off-label. Argumentaram ainda que o contrato do plano exclui expressamente medicamentos experimentais ou que não estejam no rol de procedimentos obrigatórios.
Entretanto, decisões anteriores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já firmaram entendimento de que a negativa de cobertura de tratamentos essenciais é abusiva, independentemente de o tratamento constar ou não no rol da ANS. Para o Tribunal, a recomendação médica especializada deve prevalecer, sobretudo em situações de risco à vida ou à integridade do paciente.
Decisão do tribunal: a importância do Código de Defesa do Consumidor
O Tribunal de Justiça reconheceu a validade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso, uma vez que a relação entre o paciente e o plano de saúde é claramente de consumo. Além disso, baseando-se nas Súmulas 95, 96 e 102 do próprio Tribunal, o juiz concluiu que a negativa do plano foi abusiva.
As súmulas estabelecem que o plano de saúde não pode limitar o tipo de tratamento prescrito pelo médico ao paciente, especialmente quando há comprovação da necessidade médica. Neste caso, o Avastin® (Bevacizumabe), aprovado pela ANVISA, foi reconhecido como o tratamento indicado pela oncologista da paciente, sendo a recusa de cobertura considerada ilegal.
Considerações finais e importância da decisão
Ao julgar o caso, o juiz da 1ª Vara Cível de São Paulo não só determinou que a Porto Seguro Saúde custeasse o medicamento necessário, como também condenou a operadora a reembolsar o valor de R$ 6.353,22 já pago pela família. A decisão, proferida em 31 de outubro de 2024, reforça o entendimento de que as cláusulas limitativas dos planos de saúde devem respeitar a prescrição médica e a condição crítica do paciente, especialmente em tratamentos de câncer, onde cada etapa pode ser determinante para a saúde e o bem-estar do enfermo.
Essa decisão ainda está sujeita a recurso, mas representa uma vitória para as famílias que dependem de tratamentos off-label ou fora do rol da ANS para doenças graves. Ela reafirma o compromisso do Judiciário com a proteção do consumidor e a preservação da dignidade humana, demonstrando que pacientes com doenças graves têm direito à saúde integral e à melhor assistência possível.
Informações sobre o caso
O julgamento ocorreu em 31 de outubro de 2024, pela 1ª Vara Cível de São Paulo, sob a relatoria do juiz Dr. José Carlos de França Carvalho Neto, processo nº 1007645-13.2024.8.26.0004. Esta sentença ainda cabe recurso aos tribunais superiores.