A luta de pacientes pela garantia de seus direitos em relação a tratamentos prescritos por médicos, mas negados por operadoras de planos de saúde, é uma realidade cada vez mais comum. Um exemplo recente disso é o caso de uma segurada que necessitava de medicamentos à base de Cannabis medicinal, mas que teve seu pedido negado pela operadora NotreDame Intermédica.
A paciente, diagnosticada com fibromialgia, espondiloartrose e vasculite, enfrentava um quadro de dor crônica e severa, com impactos profundos em sua qualidade de vida. Após tentativas frustradas com tratamentos convencionais, seu médico decidiu prescrever medicamentos à base de Cannabis medicinal como alternativa para controlar os sintomas debilitantes.
Esses medicamentos, que se mostraram eficazes no alívio dos sintomas da paciente, tiveram seu uso recomendado e autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para importação.
Apesar disso, o plano de saúde NotreDame Intermédica recusou o custeio alegando que os remédios eram de uso domiciliar e, por isso, não se enquadravam na cobertura obrigatória prevista no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A paciente, que já lidava com os desafios de sua condição de saúde, tentou solucionar o problema diretamente com a operadora. Foram feitas várias solicitações administrativas para a cobertura dos medicamentos, todas sem sucesso. A negativa da NotreDame Intermédica foi baseada no argumento de que os remédios prescritos – Bisaliv Power Full Spectrum 1:100 CBD 20 mg/ml e Bisaliv Power Full Spectrum 20:1 CBD 1MG/ML, THC 20mg/ml – não estavam incluídos no rol de procedimentos obrigatórios da ANS.
Diante dessa postura inflexível, a paciente viu suas esperanças de continuar com o tratamento eficaz serem frustradas e sua saúde colocada em risco devido à interrupção dos medicamentos.
A busca por um advogado especializado e ação para cobertura de Cannabis medicinal
Percebendo que suas tentativas de resolver o problema diretamente com a operadora de saúde não avançavam, a paciente optou por buscar ajuda profissional. Ela procurou um advogado especializado em ações contra planos de saúde para entender quais seriam seus direitos e como proceder.
Foi então que se constatou que a negativa da NotreDame Intermédica poderia ser considerada abusiva, já que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege os beneficiários de práticas contratuais excessivamente prejudiciais, como no caso de limitações que coloquem em risco a saúde e a vida do usuário.
Após orientação jurídica especializada, a paciente decidiu ingressar com uma ação de obrigação de fazer contra a NotreDame Intermédica, pedindo que a Justiça determinasse o fornecimento do medicamento.
A alegação principal foi de que a recusa da operadora violava o princípio da dignidade da pessoa humana e colocava em risco sua saúde, ao impedir que ela continuasse o tratamento com Cannabis medicinal, o único que vinha proporcionando alívio real para suas dores e sintomas.
A NotreDame Intermédica, em sua defesa, sustentou que o Bisaliv Power Full Spectrum era um medicamento de uso domiciliar e, por isso, sua exclusão de cobertura era legítima. A operadora baseou-se em jurisprudências e normas da ANS, as quais indicam que medicamentos de uso domiciliar, exceto em casos específicos como antineoplásicos orais, não possuem cobertura obrigatória por planos de saúde.
Além disso, a empresa ressaltou que a prescrição de medicamentos à base de Cannabis medicinal ainda não estava completamente regulamentada no Brasil, sendo um tema que gera discussões no âmbito jurídico e médico.
A decisão judicial: Justiça em favor da paciente
Após a análise do caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu em favor da paciente. A decisão considerou abusiva a negativa da NotreDame Intermédica, apontando que o fato de o medicamento ser de uso domiciliar não poderia, por si só, justificar a recusa de cobertura, principalmente quando se tratava de uma prescrição médica indispensável à saúde e qualidade de vida da paciente.
O Desembargador João Pazine Neto, relator do processo nº 1160879-52.2023.8.26.0100, observou que a gravidade da condição da paciente, aliada à falta de alternativas eficazes, tornava o uso de Cannabis medicinal fundamental para sua recuperação. Dessa forma, a operadora foi condenada a fornecer o medicamento, conforme prescrito, enquanto fosse necessário ao tratamento da segurada.
Essa decisão reafirma a importância de buscar apoio jurídico quando os direitos à saúde são violados por operadoras de planos de saúde. A negativa de cobertura para tratamentos prescritos, especialmente no caso de medicamentos com eficácia comprovada como os de Cannabis medicinal, fere os direitos dos consumidores e compromete a dignidade e qualidade de vida dos pacientes.
Embora ainda haja discussões no cenário jurídico sobre a abrangência do rol da ANS, casos como este indicam que os tribunais tendem a interpretar as normas de maneira mais flexível, especialmente em situações em que a saúde do paciente está em risco.
A paciente, que viu sua saúde fragilizada pela negativa da NotreDame Intermédica, conseguiu reverter a situação na Justiça, graças ao suporte de um advogado especializado e à sensibilidade do Tribunal em reconhecer a necessidade do tratamento com Cannabis medicinal.
O acórdão, proferido em 24 de agosto de 2024 pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi unanime e ainda cabe recurso, mas representou uma vitória importante para os pacientes que dependem de tratamentos inovadores e que, muitas vezes, enfrentam resistências burocráticas para ter acesso ao que lhes é de direito.
Principais informações do caso
O julgamento do processo nº 1160879-52.2023.8.26.0100, ocorrido em 24 de agosto de 2024, foi proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo como relator o Desembargador João Pazine Neto. O acórdão manteve a condenação da NotreDame Intermédica para o fornecimento do medicamento à base de Cannabis medicinal, decisão que ainda está sujeita a recurso.